Autorretrato dos 20 feito aos 80 - PJ 8ºF | |
Por Maria Teresa Portal Oliveira (Professora), em 2014/02/17 | 2076 leram | 0 comentários | 1318 gostam |
Tarefa: Imaginar que se tem oitenta anos e, desse ponto de vista, descrever-se tal como se é/ foi aos vinte. | |
Chamo-me José Marques Silva, fui cutileiro e nasci em 1928. Quando tinha vinte anos, era muito pretendido, embora nessa altura as raparigas não tivessem as liberdades que têm hoje em dia. Mal conseguíamos entrever os tornozelos e nem lhes podíamos tocar. Como eu era muito malandro, levei sempre a água ao meu moinho. Assim, consegui roubar um beijo à Jaquina antre o milho a caminho da feira dos dezoito, que se realizava, mensalmente, numa localidade vizinha. Com os meus olhos verdes como a folhagem do milho e o cabelo loiro como as espigas, mais parecia um viking dos tempos modernos. Bem, se esse povo por cá andou não sei, mas andaram outros como os celtas, que deixaram a Citânia de Briteiros, para onde levei a Amália que adorava o meu bigode loiro de pontas retorcidas. Vi muito pôr-do-sol com essa beleza de olhos azuis e consegui ver-lhe o joelho bem redondinho com uma pele tão macia... A Lucinda, uma sobrinha do padre Abel, que cá veio em férias, atraiu logo a minha atenção porque usava uns decotes "indecentes" (como diziam as beatas lá da aldeia) que mostravam generosamente os seios. Andava tudo doido e o pior aconteceu. Todas as raparigas começaram a abrir as suas blusas e o padre Abel viu-se e desejou-se para meter o seu rebanho na ordem. Proibiu a Lucinda de andar daquela forma e obrigou-a a ser mais comedida. Às pessoas ia dizendo que ela vivia em França. Mas, os escândalos não ficaram por aí. Um dia, a Lucinda puxou de um cigarro na tasca do ti Manel. A ti Belmira, uma velhota absolutamente insuportável e coscuvilheira, levantou-se e deu-lhe uma valente bofetada. Ainda bem que lá estava eu que a salvei e a levei comigo para o Monte dos Pedrais. Namorámos durante os meses que ela cá esteve e eu fiquei a saber o que era uma mulher. Ainda trocámos cartas durante uns meses, mas o tempo e a distância acabaram com a paixão. Não fiquei inconsolável e sozinho muito tempo. A Laurinda, que era minha vizinha e tinha uma paixoneta por mim desde sempre, aproximou-se para me sarar as mágoas. Não durou muito o apego, pois fui mais atrevido do que o devido e ela deu-me com os pés. Estava perdido. A minha beleza de nada me valia e o tempo estava a passar e a deixar as suas marcas. Ah! Que saudades dessa época! Foi por acaso, na festa da Srª dos Remédios, que eu conheci a Custódia, uma moça refeita de carnes e uma trabalhadora de mão cheia. Mesmo na festa, pôs tudo em pratos limpos. Não queria perder tempo e não estava para aturar liberdades. Ou era para sério ou podia pôr-me a andar. Não tive remédio e casámos no ano seguinte, por altura da festa. Não cheguei a fazer as bodas de ouro, porque a minha Custódia foi desta para melhor (coitados dos anjos que têm de a aturar para sempre!) uns meses antes da festa, vai fazer dez anos. Hoje, estou num lar, mas ainda sou muito homem. Não perdi os meus encantos. Que digam as "moças" que lá vivem! A quem me quer ouvir, conto as minhas da minha vida e a história da cutelaria dos tempos que já lá vão. Tempos difíceis... mas tempos tão prazeirosos! Qualquer dia ainda escrevo as minhas memórias! Pequenos Jornalistas- 8ºF | |
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